quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Opinião: Até onde podemos ir em nome do consumo?


102ª NRF em Nova Iorque. Estamos mais um ano, sentados no North Hall, auditório gigantesco do Javits Center, para ouvir desta vez, Alison Lewis, Senior Vice Presidente de Marketing, da Coca-Cola. O tema da palestra: "Coca-Cola opens happiness for consumers and retaillers". Cerca de 6.000 executivos do varejo de todo o mundo estão atentos.

Com um sorriso aberto, Alison começa a falar sobre a grandiosidade da empresa, mostrando o portfólio de produtos e a abrangência mundial de atuação. Sem dúvida nenhuma, uma grande empresa. Em seguida, a simpática executiva, começa a falar sobre a Campanha temática da Coca-Cola: Opens Happiness.

Com alguns minutos de discurso sobre ações e práticas socioambientais da empresa e atuação global, começa a passar nos enormes telões do auditório, a campanha publicitária feita pela Coca-Cola, que segue abaixo:






Esta campanha filtrou imagens reais flagradas em câmeras de monitoramento e segurança, nos quatro cantos do mundo, tentando mostrar, com muita emoção e cenas de companheirismo, romance, heroísmo e amizade, que a humanidade pode ter um outro ponto de vista.

Ao final do vídeo, eu estava arrepiada. De fato, até hoje, quando lembro do vídeo, ou conto para alguém a respeito, me arrepio. Não fui só eu. Olhei em volta e vi alguns executivos enxugando as lágrimas. A principio, achei o máximo. Pensei comigo "Ah! o mundo tem jeito!".

De repente, tive um dejavu: me lembrei das maravilhosas propagandas de cigarro dos anos 80 e 90. Pessoas lindas, fazendo esportes radicais em lugares paradisíacos, ou em festas maravilhosas, se divertindo, rindo e felizes com a vida.

E então minha percepção mudou! Apesar de ser uma consumidora dos produtos da Coca-Cola (não nego), comecei a me sentir manipulada. Afinal, que direito eles tem de atrelar as minhas mais profundas emoções e crenças, a um produto que consome 2,04l de água para cada litro fabricado (dados de 2009, fornecidos no site da Coca-Cola), sendo que segundo a ONU, em 2012, 11% da população mundial ainda não tem acesso a água potável? (Vou me ater à minha área de atuação, sem entrar no mérito da saudabilidade da composição química dos produtos da Coca-Cola, aqui neste post).

Ouvia as pessoas ao meu redor dizendo que era demais o que a Coca estava fazendo e parecia que eu estava em Matrix, e tinha acabado de tomar a pílula vermelha. Será que ninguém mais estava percebendo?

O CONAR tem regras claras para controlar Greenwash em propagandas. De fato atuante. Mas talvez, estejamos sofrendo um "Emotionwash", expressão que acabei de inventar, querendo dizer "Lavagem cerebral emocional" e as perguntas que quero deixar para debate são: 

Primeiro, o que as emoções ressaltadas no vídeo tem a ver com o produto Coca-Cola?

Segundo, até que ponto é ético usar as mais profundas emoções humanas, para atingir metas de vendas de produtos, que podem ter seus benefícios a saúde humana e ao meio ambiente, no mínimo questionados?

Quando falamos de transparência, limites éticos também tem que ficar explícitos. Ações corretas socioambientais proferidas por empresas de cigarros, por exemplo, jamais suprimirão o mal que um cigarro causa aos fumantes diretos e indiretos.

Entendo que esta questão é polêmica. Acho que o debate à respeito é saudável. Não acredito que se deva "crucificar" empresas por qualquer motivo, mas como consumidora, gostaria que certos limites que me induzam ao consumo, ou que me conectem com uma marca, fossem estabelecidos.

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